Tuesday, January 24, 2006

Álvaro de Campos


O Sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

Álvaro de Campos

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The sleep that comes over me

The sleep that comes over me,
The mental sleep that physically hits me,
The universal sleep that personally overcomes me -
To others
Such a sleep must seem a sleep to fall asleep in,
The sleep of someone wanting to go to sleep,
The very sleep that is sleep.

But it's more, it goes deeper, higher than that:
It's the sleep encompassing every disappointement,
It's the sleep of feeling there's a world within me
Without my having said yes or not to it.

Yet the sleep that comes over me
Is just like ordinary sleep.
Being tired at least softens you,
Being run-down at least quiets you,
Being up at least quiets you,
Giving up at least puts an end to trying,
And the end at least is giving up having to hope.

There's the sound of a window opening.
Indifferent, I turn my head to the left,
Looking over the shoulder that felt it,
And seen though the half-opened window
The girl on the third floor across the street
Leaning out, her blue eyes searching for someone.
Who?
My indifference asks.
And all this is sleep.

My God, so much sleep!...

Álvaro de Campos

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