Friday, March 02, 2007

Em princípio de fim de semana com Eugénio de Andrade


Corpo Habitado

Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumo das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim –
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

© 1971, Eugénio de Andrade
From: Obscuo Domínio
Publisher: Limiar, Oporto, 1971

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Inhabited Body

Body on a horizon of water,
body open
to the slow intoxication of fingers,
body defended
by the splendour of apples,
surrendered hill by hill,
body lovingly made moist
by the tongue’s pliant sun.

Body with the taste of cropped grass
in a secret garden,
body where I am at home,
body where I lie down
to suck up silence,
to hear
the murmur of blades of grain,
to breathe
the deep dark sweetness of the bramble bush.

Body of a thousand mouths,
all tawny with joy,
all ready to sip,
ready to bite till a scream
bursts from the bowels
and mounts to the towers
and pleads for a dagger.
Body for surrendering to tears.
Body ripe for death.

Body for imbibing to the end –
my ocean, brief
and white,
my secret vessel,
my propitious wind,
my errant, unknown,
endless navigation.

Eugénio de Andrade

(translation) © 1985, Alexis Levitin
From: Inhabited Heart
Publisher: Perivale Press, Los Angeles, 1985

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